REIS,
Jonan de Castro.
Vale dizer que não só os
judeus, mas os adeptos da cultura capilar espessa. As barbas ocultam
ligeiramente a intenção da face, embora sejam os olhos quem ditam as piores,
também as melhores intenções e sentenças. Assim, uma nova cultura veio para
derrubar o velho mito da história mundial da crueldade e criar uma nova
expectativa em prol do uso do bigode: a cultura da moda.
Num mundo altamente
competitivo, em que as mulheres disputam de igual para igual o espaço que outrora
fora destinado aos homens, até mesmo certos costumes foram introduzidos ou
adotados em ambas as partes para testemunhar que a luta por espaço continua
acirrada. Enquanto muitos jovens do sexo masculino preferem a pele imberbe,
muitas mulheres, ao contrário, talvez para fazerem as pazes com o injusto mundo
da moda, acabam pagando um alto tributo ao adotar o bigodinho à la Hitler. Não seria mais fácil se
cada qual ficasse no seu quadrado? Assim pouparia os indecisos dessa dinâmica imbecil
de procurarem a si próprios no quadrado do outro. Enquanto uns abandonam o
próprio espaço em busca do espaço do outro — outro, mais esperto o ocupa.
Quando o desavisado nômade, após perambular e não encontrar o que procura, e
deseja voltar, o seu antigo espaço já está ocupado. E a disputa continua. De
dia Maria, de noite João, de novo Maria, depois João Maria, mais tarde Maria
João. No entanto, certos costumes nada têm em comum com beleza, desde que satisfaçam
as regras da ditadura midiática.
Não há de ser diferente no
mundo das celebridades do cinema, da televisão e das passarelas. Embora não
haja necessidade de inteligência para estampar a capa de uma revista de moda, a
escolha do currículo para tais funções estrelares carecem de grande
conhecimento do objeto de seus anseios.
O Diretor Publicitário da
revista selecionou dez currículos de uma pilha enorme sobre a mesa. Aquela era
a última das candidatas daquele rol. Ele estava cansado e ainda não havia
encontrado ninguém interessante:
— Seu nome completo? Fernanda
Costa Campos Cotote. Ele achou o nome engraçado, mas muito longo. Ele reprimiu
uma risadinha ao associar o último nome a um coiote. Quem sabe um pseudônimo...
— Caso viesse a ser
selecionada, gostaria de ser conhecida com que nome?
— Nanda Costa. Ele
começava a gostar dela agora. O nome soava bem.
— Sua idade?
— Vinte e sete anos.
— Onde nasceu minha
querida?
— Paraty – RJ.
— Onde mora atualmente?
— São Paulo.
— Com a família?
— Não, moro sozinha. Não
gosto que alguém diga o que posso ou não fazer. O sorriso dele agora foi amplo.
— Ótimo — fez o diretor e
deu um sorriso que mais prometia que revelava suas intenções. Aquilo começava a
ficar interessante. Ele resolveu ir direto ao assunto.
— Já fez algum trabalho
artístico?
— Já.
— O quê, por exemplo?
— Fiz um book de fio
dental em Copacabana e um ensaio para o meu namorado em Abricó. Dizem que ficaram
uma verdadeira obra de arte. O diretor passou a língua nos lábios.
— Posso vê-los?
— Claro — ela resolveu ir
fundo na entrevista. Ela queria muito aquele papel. O diretor começou a folhear
o book. Via-se que ele estava inquieto, pronto para se levantar da cadeira, de
tanta tensão. Foi então que ele fez a pergunta que estava entalada na garganta,
desde que começou a folhear o book.
— Qual o seu maior sonho
artístico?
— Posar para a Playboy.
Isto lhe bastava. Os outros itens da entrevista não tinham nenhuma importância
para ele, até porque as perguntas a respeito de curso superior, quantos livros
já lera durante o ano estavam em branco.
— Nada consta. Crítico
como era, o diretor logo associou o nome Nanda Costa a um cérebro vazio, fácil
de ser manipulado. Ele fez um trocadilho por demais justo: Nada Consta.
Bingo. O diretor sabia que
acertara na escolha, desde o momento em que batera os olhos naquele currículo.
Realmente naquela cabecinha nada constava que alguém como ele pudesse avaliar
como útil e inteligente. Algo que poderia contribuir com a sociedade. Nada constava. Mas ela possuía o que ele jamais
encontrara nas outras entrevistadas. Era segura e espontânea. Falava o que lhe
vinha à boca.
O ensaio fotográfico para
a capa da Playboy de Agosto foi apenas uma mera consequência do trabalho que
Nanda Costa desempenhara tão bem na televisão e no cinema. Era espontânea,
fotografava bem e não parecia intimidada com os flashes das câmeras.
Ao ser questionada sobre
qual país escolheria para cenário, ela foi categórica:
— Cuba. O diretor ainda
tentou dissuadi-la da ideia e sugeriu a Jamaica pelas belezas naturais. Ela deu
uma risadinha enigmática. Prefiro Cuba. Ninguém entendeu o motivo daquela
risadinha. E ela se deixou passar por uma idiota. Em silêncio. Era melhor assim
a dar a entender que realmente o era.
Mas ela já era uma
estrela, poderia se dar ao luxo de escolher o cenário em que haveria de se expor
em oferenda aos deuses de sua adoração ou então ao sacrifício, como num prato
de farofa.
No entanto, o mistério da
escolha de Cuba só foi revelado quando ela se despiu para as lentes de JR
Duran. A barba espessa ocultava a face, ainda que não ocultasse a intenção dos
olhos. Nanda se sentia totalmente segura. Totalmente mulher.
Quando, no lançamento da
revista, diante de vários microfones, alguém questionou a espessura da barba,
ela segredou aos quatro ventos com o humor que caracteriza as pessoas dotadas
de grande conhecimento cultural:
“—
Jamais faria bigodinho de Hitler na terra de Fidel”. Eles riram e só então entenderam
o porquê de ela ter se recusado a fotografar na Jamaica.
REIS, Jonan de Castro.
Poeta, Contista e Romancista. Membro da Academia de Letras do Brasil – ALB,
membro da Academia de Letras do Extremo Sudoeste de Goiás – ALESG e da
Associação dos Poetas Del Mundo.